Borracha e Sustentabilidade: o caso Vert

22/01/2024
Borracha e Sustentabilidade: o caso Vert

Os tênis com a distintiva letra V nas laterais têm conquistado grandes personalidades, como a princesa Kate Middleton e as atrizes Reese Witherspoon, Emma Watson e Katie Holmes.

“É raro ver tantas celebridades de primeiro escalão gravitando em torno de sapatos que custam menos de US$ 500. Mas é fácil ver por que elas gostaram tanto desse par em alta”, escreveu a revista InStyle.

Na Faria Lima, o coração financeiro de São Paulo, a Vert ganhou popularidade. O fundador da marca, François-Ghislain Morillion, comenta: " Não sabemos como aconteceu, foi até um pouco inusitado."

O sucesso dos tênis entre os adeptos da moda é evidência de que a Vert acertou na fórmula. A empresa surgiu com a missão de produzir calçados de forma ambientalmente responsável, garantindo uma remuneração justa para toda a cadeia produtiva, sem comprometer a estética.

“Tentamos sempre fugir do que chamamos de ‘granola’, aquela coisa marrom e triste que se imagina para ecologistas. O que faz um tênis bombar não é a sustentabilidade, é a moda. E tudo bem”, diz Morillion.

Por trás dos modelos minimalistas, os quais são os mais populares da Vert, existe uma extensa rede de fornecedores de matérias-primas, abrangendo do Rio Grande do Sul ao Acre, seguindo critérios socioambientais rigorosos.

Quase a totalidade dos 4 milhões de pares vendidos em 30 países é fabricada no Brasil, com uma pequena exceção produzida em Portugal. A Vert registrou um faturamento de € 250 milhões no ano passado.

A história da Vert começou há mais de 20 anos, em Rondônia. Morillion e Sébastien Kopp, sócios e amigos de infância, fundaram uma consultoria de sustentabilidade no início dos anos 2000, viajando por China, África do Sul e Índia para avaliar fábricas e minas que forneciam para grandes empresas europeias.

Foi auditando uma cooperativa que produzia palmito pupunha cultivado em agroflorestas no Norte do Brasil que a dupla vislumbrou como um negócio poderia levar melhorias ambientais e sociais até as pontas mais extremas da cadeia de fornecimento.

A dupla visualizou a oportunidade de introduzir melhorias ambientais e sociais em toda a cadeia de fornecimento ao auditar uma cooperativa que produzia palmito pupunha em agroflorestas no Norte do Brasil.

Ambos são sneakerheads, então escolher o produto não foi difícil. “Tênis sempre teve uma produção muito associada a trabalho infantil e escravo, e também simboliza essa relação injusta, o Sul do mundo explorado para produzir para europeus e americanos”, diz Morillion. “A possibilidade de fazer diferente nos atraiu.”

A cadeia produtiva ‘made in Brazil’

A cadeia produtiva da Vert é "made in Brazil", com a borracha proveniente da Amazônia, o algodão do Nordeste e o couro do Rio Grande do Sul e Uruguai. Morillion e Kopp estabeleceram uma rede direta com cooperativas e produtores, monitorando as condições de trabalho nas fábricas parceiras.

Na chamada "desconstrução da cadeia de fornecedores", a Vert mantém contato direto com as cooperativas e produtores que fornecem cada um desses insumos, acompanhando as condições de trabalho nas fábricas parceiras - duas no Rio Grande do Sul e duas no Ceará.

Os contratos firmados com os produtores têm, em sua maioria, uma duração de três anos, com reajustes anuais baseados na inflação, e um preço pré-estabelecido acima do nível de mercado.

A borracha é um componente fundamental dos tênis, com mais de 710 toneladas fornecidas por cerca de 2 mil seringueiros da região amazônica - 70% do Acre e o restante do Amazonas, Rondônia e Mato Grosso.

Enquanto o preço de mercado da borracha é ligeiramente superior a R$ 3/kg, a Vert pode pagar até R$ 15,50. Além do custo do material, o valor também considera a prestação de serviços florestais.

“Treinamos as pessoas para que façam um trabalho de conservação da floresta e fazemos o monitoramento por uma ferramenta desenvolvida com [a ONG] Imaflora. Se houve a conservação, pagamos um bônus. Se não houve, fazemos um termo de ajuste e, caso se repita, infelizmente, a família produtora sai do projeto”, diz Morillion.

No caso do algodão, as safras são pré-financiadas em até 50%, proporcionando segurança de receita aos produtores antes mesmo do plantio. Em contrapartida, o algodão deve ser orgânico e cultivado juntamente com pelo menos outras duas culturas. A Vert conta com assistência técnica das ONGs Esplar, de Fortaleza, e Diaconia, de Recife.

Distribuídas em oito estados do Norte e Nordeste do Brasil, além da província peruana de Chincha, mais de 1200 famílias fornecem as 350 toneladas de pluma e fio de algodão necessárias por ano. A Vert afirma pagar, em média, o dobro do valor de mercado por quilo, oferecendo incentivos aos produtores que adotam práticas ecológicas.

Quanto ao couro, originado do gado dos Pampas gaúchos ou uruguaios, Morillion comenta: “Escolhemos a região Sul para evitar a ‘lavagem de couro’ que os frigoríficos fazem quando criam bezerros em áreas de desmatamento na Amazônia, e depois os mandam para São Paulo ou Mato Grosso”.

A solução encontrada foi trabalhar com cadeias mais curtas, mais próximas do escritório da Vert, incluindo uma parceria com o Reset de Campo Bom, no Rio Grande do Sul.

A empresa está também empenhada em estabelecer uma rastreabilidade clara e definida para o plástico PET reciclado usado na produção de tecidos. Em colaboração com cooperativas, a Vert está inaugurando um centro de reciclagem de plástico em Minas Gerais, onde oferecerá uma bonificação aos coletores.

Apesar dos esforços, a marca comunica de forma transparente que ainda utiliza algodão convencional em alguns tecidos específicos e que os pigmentos para tingir couro, borracha e algodão não são naturais.

Em meio à ascensão da moda vegana, a Vert destaca a consideração da escolha como mais sustentável do que o uso de plástico derivado principalmente do petróleo. Ao mesmo tempo, a empresa investe em materiais alternativos, como o CWL (sigla em inglês para ‘algodão trabalhado como couro’), feito de algodão com revestimento à base de milho.

Mais responsabilidade, menos publi

A opção por produzir no Brasil contrasta com grandes marcas como Nike e Vans, que centralizam a fabricação em países asiáticos de mão de obra mais barata, muitas vezes com menos rigor na fiscalização de direitos humanos e trabalhistas.

Esta abordagem distinta tem um custo elevado. A produção fabril no Brasil é três vezes mais cara do que seria na China, conforme orçamento solicitado pela Veja a uma fabricante chinesa. (A Vert é o nome da marca nos 30 países em que está presente. No Brasil, por questões de registro, a empresa adotou o nome Vert, "verde" em francês, com planos de unificação do nome nos próximos meses).

Apesar disso, os preços dos 32 modelos da Vert não diferem significativamente das grandes marcas, variando entre R$ 410 e R$ 1000 por par.

“Nessa equação, nós temos que economizar em algo. Nosso orçamento para marketing é muito baixo, não fazemos anúncios nem patrocínios”, diz Morillion. Assim como muitos dos insumos utilizados nos produtos, a visibilidade conquistada pela marca nos últimos anos foi principalmente orgânica.


Fonte: Reset

Imagem: @vert_shoes

Voltar
Patrocinadores Parceiros

Newsletter ABTB